Era a primeira vez que eu falaria sobre o caso de Margarida Bonetti. A história da mulher misteriosa da casa de Higienópolis, bairro nobre de São Paulo, ganhava um novo capítulo dia após dia. Mas eu, naquela quinta-feira, peguei o bonde andando.
Um dia antes, policiais civis cumpriram um mandado de busca e apreensão na mansão, apelidada de “casa abandonada”. Margarida Bonetti tentou resistir e, mesmo não querendo, acabou fazendo algumas aparições que renderam fotos e imagens.
Durante a madrugada, depois de uma noite agitadíssima em frente à casa, que se tornou ponto turístico, fomos até a Rua Piauí para repercutir a ação policial. Chegamos por volta das 4h30 e nos preparávamos para uma entrada, ao vivo, no Balanço Geral Manhã a partir das 5h.
Na porta da casa, estavam duas viaturas da Polícia Civil. A escolta era pra dar segurança à Margarida Bonetti, que havia se negado a deixar o local após o cumprimento do mandado. Curiosos passaram boa parte da madrugada fazendo barulho, fotos e vídeos da mansão. Os policiais temiam que, diante da repercussão do caso, o casarão pudesse ser invadido.
Às 5h16 da manhã estávamos ao vivo. O repórter cinematográfico, Daniel Macedo, e eu trazíamos as últimas informações do caso. Havia, naquela dia, a expectativa de que a dona da mansão deixasse o local acompanhada por algum familiar. Enquanto eu falava, ouvi um estalo e senti algo caindo ao meu lado.
Olhei pra baixo e vi um ovo todo espatifado no chão, a poucos centímetros do meu sapato. Interrompi o meu raciocínio e alertei o apresentador, Willian Leite: “Alguém está jogando ovo na gente, Willian, e não me parece ter vindo da mansão”. Willian pediu para que ficássemos ligados e atentos à segurança.
De fato, não foi Margarida que desperdiçou ovos na gente. O bombardeio vinha de um prédio chique, em frente à mansão. Os apartamentos estavam todos com as luzes apagadas, então, não foi possível identificar o rosto do vizinho incomodado. Minha única certeza era de que o ataque vinha desse edifício. Quanto mais eu falava e expunha a situação, mais ovos eram arremessados. Um deles atingiu minha perna esquerda.
Higienópolis é um bairro extremamente valorizado, em São Paulo. São mansões e prédios luxuosos espalhados por cada metro quadrado. Entendo, perfeitamente, que os moradores da região não estejam acostumados com tanta movimentação na porta de casa. Disse, no ar, que compreendia o fato de os vizinhos estarem incomodados, afinal, havia dias que o sono reconfortante dos privilegiados daquela rua era incomodado.
No entanto, era impossível justificar o ataque. Eu, por livre e espontânea vontade, não estaria ali às 5h da manhã. Não, mesmo. Se estava no portão daquela casa, fazendo plantão, era porque meu trabalho exigia isso. Não estava brincando, gritando nem desrespeitando ninguém. Não estava fazendo turismo, live pelas redes sociais e, muito menos, fazendo baderna. Estava, simplesmente, cumprindo o meu ofício.
Margarida Bonetti e o marido, René, foram acusados de manter uma funcionária em situação semelhante à escravidão por cerca de 20 anos. O caso estourou e no início dos anos 2000 o casal foi denunciado à polícia dos Estados Unidos, pra onde os dois haviam levado a empregada. René chegou a ficar preso por seis anos, mas Margarida fugiu para o Brasil e, desde então, vivia trancafiada na mansão, saindo raríssimas vezes pra realizar funções do cotidiano.
Margarida não deve mais nada à Justiça. Isso, no entanto, não a faz inocente de nada. Porém, não me cabe fazer juízo de valor nem aqui nem na televisão. Me cabe, apenas, ressaltar que o criminoso nunca fui eu. Se nem a dona da casa misteriosa merecia ser apedrejada, penso que eu, um mero repórter, também não merecia ser atacado, seja com pedras ou ovos.
O clima ficou meio hostil depois que tudo isso aconteceu. Porém, procurei levar tudo na esportiva. Colegas do SBT e da TV Bandeirantes chegaram pouco tempo depois e eu os alertei do episódio. Precavidos, os auxiliares de cada equipe providenciaram um guarda-sol pra que pudessem ficar protegidos.
Nas minhas redes sociais, ironizei a situação. Publiquei um trecho da participação, ao vivo, e disse que o ataque havia sido um desperdício, já que os ovos estão custando tão caro. Teve gente que riu e teve gente que me cancelou.
No fim das contas, fui eu quem virei notícia. Sites de entretenimento e bastidores de TV relataram o ocorrido. O programa “A Tarde é Sua”, da Sônia Abrão, reproduziu o vídeo e também repercutiu a violência com que a equipe da Record foi tratada. Foi a primeira ovada que levei, mesmo não sendo político. Foi a primeira vez que passei por uma situação constrangedora no ar. Foi a primeira vez, também, que me aproximei tanto da maldade dos chamados haters.
Ficar sob a mira de meia dúzia de ovos nem foi o problema. Difícil foi ser emparedado pelo “Tribunal da Internet” mesmo sem ter razão nenhuma para o julgamento. Ser jornalista, no Brasil, é a melhor definição de coragem nos dias atuais. A gente corre risco estando na rua ou dentro de casa. Na rua, basta encontrar um desajuizado capaz de jogar ovos, pedras ou o que estiver na frente. Em casa, basta abrir o celular e ser contaminado pelo ódio de um idiota qualquer, que transborda bobagens e incitações criminosas.
Eu passaria horas escrevendo sobre isso. Mas já me cansei. Vou deixar um pouco pra semana que vem.